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Os riscos da maratona

 

Estudos mostram que corridas longas são arriscadas mesmo para quem não tem problemas cardíacos.

 

Feidipedes, o soldado que correu entre Maratona e Atenas para comunicar uma vitória militar, caiu morto depois de cumprir a missão (Conta a lenda de alguns outros não). A lenda viria a dar nome à prova mais extenuante do atletismo e a tragédia do protagonista se repete mundo afora – de acordo com estudos científicos, cada vez com mais freqüência. No fim do mês passado (novembro de 2006), o empresário Raimundo Rodrigues Sobrinho, de 57 anos, teve infarto fulminante durante a maratona de Curitiba, no Paraná. Segundo colegas que participavam da competição, ele já tinha terminado o percurso outras vezes, mas estava parado havia dois anos.

A maratona tornou-se uma modalidade esportiva extremamente popular. Nos Estados Unidos, no ano passado (2005) 382.000 pessoas completaram a distância de42,195 quilômetros. A maratona de Nova York atrai quase 40.000 corredores. No Brasil, a prova de São Paulo teve 10.000 competidores neste ano (2006). Um estudo publicado na revista de cardiologia Circulation, feito por especialistas do Hospital Geral de Massachusetts, porém indica que correr pode ser um exagero mesmo para pessoas que não apresentam fatores cardiológicos de risco.

            Os pesquisadores fizeram ecocardiogramas em sessenta corredores antes e depois da maratona de Boston, uma das mais importantes dos Estados Unidos. O resultado foi assustador 6 em cada 10 apresentaram aumento dos níveis de troponina, uma proteína indicadora de dano as células cardíacas. Quatro em dez tinham níveis altos o suficiente para indicar destruição de células. O mais preocupante é que nenhum dos testados se queixava de dor no peito ou mal-estar. Conclusão: correr faz bem à saúde, mas longas distancias criam o risco de infarto mesmo para quem não tem problemas cardíacos. “A maratona é uma overdose de uma atividade, em tese, benéfica”, resume um dos autores do estudo, o medico Arthur Siegel, diretor do McLean Hospital, em Massachusetts, e professor de medicina na Universidade Harvard. “O paradoxo é que, ao mesmo tempo em que as pessoas ativas estão mais protegidas contra doenças cardíacas, quanto mais exercícios se faz, maior o risco de um ataque do coração.

            Neste ano, pelo menos seis pessoas morreram de infarto durante maratona nos Estados Unidos. Calcula-se um risco de fatalidade a cada 50.000 competidores. A situação pode ser ainda pior porque mortes ocorridas horas ou dias depois da prova não são registradas. Pesquisas anteriores indicavam um caso de morte para cada 300.000 atletas - o que demonstra ou que as pesquisas estão se tornando mais acuradas ou que há mais gente entrando em provas de fundo sem um controle médico adequado, ou ambos.

Um estudo inédito, quase idêntico ao publicado na Circulation, foi feito no Brasil pelo instituto de cardiologia Dante Pazzanese, na maratona de São Paulo deste ano. Um aparelho de ecocardiograma foi instalado na linha de chegada e cinqüenta corredores, previamente examinados, tiveram o coração analisado um minuto depois de completar a prova. Os resultados também indicaram desgaste do músculo cardíaco. “A maratona é uma prova para atletas profissionais e não pode ser levada na brincadeira”, alerta o cardiologista e medico do esporte Nabil Ghorayeb, um dos coordenadores do estudo.

“Muitas pessoas participam sem ter noção do que estão fazendo”. No Brasil, não há dados sobre mortes em maratonas, mas se sabe que casos como o do maratonista do Paraná não são incomuns. Na prova da capital paulista, o gerente de produtos Valter Bispo, de 39 anos, apesar de treinar cinco vezes por semana e de participar com regularidade de corrida de 10 quilômetros, passou tão mal durante a competição que até hoje não consegue recuperar-se totalmente. “Não participo mais de provas de longa distância”, diz. “Isso não é saudável”.

Os riscos à saúde não são restritos à maratona.

Um dos maiores incentivadores das corridas, o escritor James Fixx, morreu de ataque cardíaco quando participava de uma prova de 7 quilômetros (era um treino).

Pouco depois, o celebre Kenneth Cooper, que virou sinônimo de jogging, passou a dar entrevistas recomendando moderação. Quase todos os anos se registram pelo menos uma morte na corrida de rua mais tradicional do Brasil, a São Silvestre disputada por 15.000 pessoas no ultimo dia de dezembro.

O médico Ghorayeb conta que dois pacientes de seu instituto morreram recentemente durante corridas de apenas 3.000 metros. Os dois tinham mais de 50 anos e já haviam recebido recomendações médicas para não correr, mas acharam que a curta distância seria inofensiva.

            Segundo estimativas de especialistas, a maior parte das mortes em pleno exercício é conseqüência de males preexistentes, desconhecidos ou subestimados, como malformações do coração. Por isso, para correr com tranqüilidade, além de treinar regularmente é preciso acompanhamento profissional e visitas periódicas ao médico. O corpo manda sinais importantes geralmente com alguma antecedência. Qualquer desconforto é um indicio de que algo não vai bem. Cada um deve, por fim, conhecer e admitir seu próprio limite – que na maioria absoluta dos casos está muito abaixo dos 42 quilômetros.

 

Revista Veja, 20/12/2006, Esporte.

Autora: Roberta de Abreu Lima

Grifos do professor Ubiratã